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Enterrados no Jardim

Enterrados no Jardim

Auteur(s): Diogo Vaz Pinto e Fernando Ramalho
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À propos de cet audio

Diogo Vaz Pinto e Fernando Ramalho à conversa, leve ou mais pesarosamente, fundidos na bruma da época, dançando com fantasmas e aparições no nevoeiro sem fim que nos cerca, tentando caçar essas ideias brilhantes que cintilam no escuro, ou descobrir a origem do odor a cadáver adiado, aquela tensão que subtilmente conduz ao silêncio, a censura que persiste neste ambiente que, afinal, continua a sua experiência para instilar em nós o medo puro. Vamos desenterrar, perfumar e puxar para o baile os nossos amigos enterrados no jardim, e deixar as covas abertas para empurrar lá para dentro aqueles que só aí andam a causar pavor e fazer da vida uma austera, apagada e vil tristeza.© 2024 Enterrados no Jardim Art Sciences sociales
Épisodes
  • Entre a merda e o infinito não cabe um grão de areia. Outra conversa com Andreia Farinha
    Jul 12 2025
    Com este título roubado ao Zetho, neste que é o derradeiro episódio antes de nos retirarmos para cumprir com as obrigações do período estival, deixamos aqui um trilho algo caótico, um episódio que vai pela linha incerta entre a desintegração e a degeneração. Há um mecanismo de fatalidade que temos procurado desmontar, mas é difícil saber até que ponto a compulsão para interpretar o mundo não acaba por nos tornar reféns dos seus processos, como esses queixumes a que tantos se entregam e que acabam por inspirar e alicerçar o inferno no qual se encerram. Há certamente, hoje, uma propensão excessiva para os diagnósticos, um modo de infelicidade que é produzida por esse falar fiado que impede qualquer impulso de romper com todo este infortúnio, que, assim, faz de nós os seus publicitários. "Não é elegante abusar da infelicidade; certos indivíduos, bem como certos povos, de tal modo se comprazem nela que desonram a tragédia", escreve Cioran num dos seus silogismos da amargura. Deste lado estamos exaustos, apanhados pelos ritmos, pulsões e padrões de forças que temos dificuldade em compreender. Seria bom se pudéssemos fazer férias noutro tempo, arrastar-nos até ao passado e buscar uma outra textura para a realidade. A actual dá-nos asma. O próprio tempo vem se tornando cada vez mais um problema. Diz-nos Camus que, "quando o observamos, o tempo não anda depressa. Sente-se vigiado. Mas depois aproveita-se das nossas distracções. É até possível que existam dois tempos: o que observamos e o que nos transforma." Hoje, temos amiúde a sensação de ser impossível tirar férias, como se não houvesse distância suficiente para conseguir arrancar este zumbido que se nos infiltrou no sangue. Por vezes, busca-se aquele olhar que se demora entre o desencanto e a compaixão pelo mundo, como se o olhássemos a partir de um outro planeta. E se a contemplação do caos acaba por dar cabo de toda a confiança ou ilusão, para alguns só restam as boas maneiras, uma certa elegância, ou, à falta disso, um puro estilo, que não seja uma mera afectação, mas isso que alimentava nos espíritos melancólicos do século dezanove a ideia de que este acaba por ser um substituto da bondade. Enquanto as manias tirânicas do nosso tempo e o egoísmo daqueles que vivem fascinados com as possibilidades que ele oferece nos fazem sentir a mais, como estrangeiros incapazes de sentir qualquer apelo por estes costumes e valores, começamos a ter a sensação de que aquilo que distingue a cultura desta época é o facto de esta só poder ser adquirida em segunda-mão, através dos rumores e intrigas ou da nostalgia que ela provoca noutras pessoas. Pela nossa parte, estamos comprometidos com os estranhos, com esse anonimato familiar que é sempre possível dissimular, tentando livrar-nos das imposturas do ego. Sentimos falta de lugares de que ouvimos falar, desses cafés onde iam parar os náufragos de cada época, que apareciam ali sozinhos dispersos pelas mesas, devastados pela sensação de desequilíbrio entre os seus espíritos e o mundo. Claudio Magris fala-nos desses cafés que eram como hospícios para aqueles que carregam no sangue essas sombras separadas do tempo. A verdadeira conversa, que podia ser uma distracção afável, começa a ser um bem demasiado escasso. Sem a escuta, sem esse efeito de transfusão de sombras, as palavras soam cada vez mais enfraquecidas. “Hoje em dia já quase não se pensa — só se fala", anotava Musil nos seus diários. “A palavra é, cada vez mais, um adereço. Diz-se tudo e o seu contrário com a mesma confiança retórica”, acrescentava no seu grande romance inacabado. E nem é propriamente o que se diz que nos desgasta, mas a vagueza, a inércia, que acaba por gerar esse grau de convicção puramente histérico, esse fluxo morno de convicções instantâneas, que cresce como uma vegetação pegajosa sobre tudo o que antes exigia silêncio. O país (mas qual ao certo?) parecia ter sido tomado por uma peste sem micróbio. Embriagados pelo desamparo, confundindo expressão com existência, todos falavam, ninguém hesitava. Havia qualquer coisa de obsceno no modo como os discursos se substituíam à atenção, como se as palavras servissem não para indicar, mas para evitar. E a linguagem, esse instrumento outrora tão delicado — como a vareta de um físico ou a pena de um calígrafo chinês —, fora reduzida à função de cobertura: cobrir a ausência, disfarçar o abismo, não dizer. Talvez fosse isso, pensava Ulrich, o novo ideal espiritual da época: dizer tudo para não escutar nada. Falar não por excesso de alma, mas por défice de realidade. Farta de tudo isto, depois do expediente, a Andreia Farinha aceitou a proposta indecente que lhe fizemos de vir rematar a série, e veio desacertar-nos ainda mais as voltas, trazer a desordem de que é íntima como poucos, reconhecer-se na figura do criminoso Moosbrugger, gozando toda a licença da ...
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    3 h et 46 min
  • A tentação do fracasso. Outra conversa com Guilherme Pires
    Jul 5 2025
    Temos de começar pela falência. Pior seria reforçarmos este nauseante heroísmo subsidiado em que temos andado. Estamos a querer enganar-nos sobre o papel que supostamente ainda cumpre aos escritores e aos artistas desempenharem de forma a que se consiga um despertar das consciências, quando, na verdade, estamos bem para lá disso. As consciências já viram o que tinham a ver, e não descansaram até se verem livres desse peso. Como assinalava Guy Debord, “todos os espíritos minimamente atentos do nosso tempo concordam quanto a esta evidência: tornou-se impossível à arte sustentar-se como actividade superior — ou mesmo como actividade de compensação à qual se possa entregar alguém, com honra”. E prossegue: “A causa desse definhamento é, visivelmente, o surgimento de forças produtivas que exigem outros modos de produção e uma nova prática da vida. Na fase de guerra civil em que nos encontramos, e em estreita ligação com a direcção que vislumbramos para certas actividades superiores do porvir, podemos considerar que todos os meios de expressão conhecidos vão confluir num movimento geral de propaganda, que deve abranger todos os aspectos — em perpétua interacção — da realidade social. Quanto às formas e à própria natureza de uma propaganda educativa, várias opiniões se defrontam, geralmente inspiradas nas diversas políticas reformistas actualmente em voga. Bastar-nos-á declarar que, para nós, tanto no plano cultural como no plano estritamente político, os pressupostos da revolução não estão apenas amadurecidos — começaram a apodrecer. Não apenas o retrocesso, mas também a prossecução dos objectivos culturais “actuais”, por dependerem de facto das formações ideológicas de uma sociedade passada que prolongou até hoje a sua agonia, só podem ter eficácia reaccionária. Apenas a inovação extremista possui justificação histórica.” Em grande medida pode-se fazer corresponder o mundo digital a um desejo de deixar de justificar-se, passando a estabelecer apenas ligações intuitivas, precárias, a partir de um mundo de fragmentos descontextualizados, justapostos, passíveis de serem indefinidamente recompostos, sem que seja necessário ou desejável compreender a relação que os inscreve no livro de onde foram extraídos. As nossas mentes adaptaram-se a um regime virológico, foram abandonando a consistência dos corpos, furtando-se à função realista, a essas resistências cronológicas e às simulações históricas, para um campo onde todas as hipóteses valem o mesmo, tudo é perfeitamente acidental. Com a interferência de diferentes níveis de informação, realidades absurdamente contraditórias, a justaposição dessas expressões autónomas supera os seus elementos primitivos e dá origem a uma organização sintética de eficácia superior. A tal civilização do livro ruiu em poucas décadas, e a literatura está tão distante da nossa experiência concreta como estaria uma época pré-histórica. Na sua acelerada podridão, o mundo torna-se cada vez menos real para nós, e as nossas mentes parecem infectadas de ideias e conceitos desgarrados de qualquer experiência, e que podem, por isso, ser abandonados sem produzir qualquer abalo profundo, desde logo porque deixámos de ter em nós convicções a esse nível. O que resiste da leitura é um estádio paródico de apropriação e acumulação de elementos desviados, o qual, longe de querer suscitar ainda algum escândalo ou troçar seja do que for, em vez de evocar uma obra original, exprime, pelo contrário, a nossa indiferença perante um original esvaziado de sentido e já esquecido, restando apenas aquele apelo de ferir a ordem de forma a libertar um certo sublime. A memória não é já o elemento estruturante, tendo sido arquitectada de forma a produzir um todo coerente. A estrutura é o que cede, à medida que se impõem as leis do desvio. Teremos de mergulhar muito mais fundo na nossa incompreensão, rejeitar firmemente a herança clássica, e o carácter comedidamente racional dos nossos reflexos e réplicas, de forma a alcançarmos um grau de deriva realmente séria. Nem sei o que possa ou não vir a propósito disto, mas apetece trazer aqui uns versos de Reynaldo García Blanco, nem que seja apenas para abandonar esta comissão onde se regateia aquele mundo que estaríamos a perder, mas a que ninguém pretende regressar. “Subsídio nocturno. Tresnoitados assalariados./ Boémios contra-sol. Partem por líquidos que acabarão/ com o estômago que foi em tempos metal e dura madeira/ do bosque./ Despertos e musicais dormem ao/ crepúsculo e sonham com as mulheres que não têm./ Partem em fuga rumo à morte num carro âmbar. Partem os tresnoitados com a música âmbar/ e um cão âmbar.” Talvez o clima marroquino que aí vem faça de nós uma nação mais propensa a essas alucinações com que o deserto caça os homens. Então, a nossa cultura não terá escolha ...
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    3 h et 15 min
  • Das tribos do cinema ao humor corporativo. Uma conversa com Beatriz Silva Pinto
    Jun 27 2025
    Depois do terror, segundo ouvi dizer, as crianças aprendem a ver no escuro. É uma espécie de talento que nasce da necessidade de controlar a proliferação de imagens que o medo nos sugere. São cineastas dessa circunstância intolerável. Porque o escuro admite o pior. Da mesma forma há quem fale consigo mesmo, procure uma ordem qualquer de que se possa ocupar, às vezes retoma uma conversa mal resolvida, responde a alguém, confronta uma e outra vez o seu exausto repertório de truques, vai buscar cenas, planos de filmes e investiga tudo aquilo que sem se ter dado conta aprendeu de cor, a posição de cada objecto, que agora adquirem uma estranha densidade, um peso extraordinário. Saber convocar o sono é um dom, combater uma circunstância desfavorável, escavar um túnel a partir da cela do tédio. Era assim que Cyril Connolly explicava a necessidade da arte, defendendo que esta “é a tentativa mais nobre do homem para preservar a Imaginação do Tempo, para fabricar brinquedos mentais inquebráveis, bolos de lama que durem”… O cinema é um assunto das infâncias que mais foram obrigadas a escarafunchar certas feridas, a aguentar a imensa desolação da realidade, sobretudo para quem tem uma natureza atenta. O cinema é esse território dos mudos, dos que aprendem o valor de um enquadramento, de uma sequência, dos cortes, da montagem. Os que se deram ao trabalho de fazer do olhar uma lição de história. Se a uma criança, quando lhe perguntam o que quer ser quando for grande, nunca ouvimos a resposta – “Vou ser crítico de cinema” –, como notou, certa vez, François Truffaut numa entrevista, talvez isso se explique por estar longe de supor que haja outros que não precisam de mais estímulos, pois fizeram da memória o seu projector, e tiram prazer de fazer do cinema o motivo de longas exposições, conversas infinitas. São muitos, na verdade, os que se encontram na mesma situação, consideravelmente treinados desde crianças a ver filmes, a pensar sobre eles e, mais tarde, com os anos, ao encontrarem a sua tribo, a falar deles, a discorrer durante horas sobre cada detalhe, mas depois, até por esse excesso, são incapazes de passar para o outro lado, ter a audácia ou a veleidade imbecil de fazer um filme. Há uma espécie de erudição culpada, que em vez de iluminar, pesa intimamente. Em vez de se transformar num balanço atrevido, acumula-se como dívida, pede imensas desculpas, retira-se. É o saber do crítico que lê demais, vê demais, anota demais — e escreve de menos ou escreve como se estivesse sempre a dever explicações. É um saber que se constrange, que se encurva. Em vez de cortar na carne da obra, contorna-a com aparato técnico, com um dicionário em punho e medo de parecer ingénuo. Esquece, assim, que a verdadeira erudição é leve, ofensiva, cortante. Esta é a condição do espectador que perdeu a inocência e, com ela, a coragem de errar, de improvisar, de sentir sem aparato. Guillermo Cabrera Infante fala-nos de um crítico que sentia necessidade de atafulhar cada texto de um tal excesso de referências que, para lá do alarde da erudição, lhes emprestavam uma morbidez própria de quem gosta de arrastar cadáveres ou trocar restos entre túmulos, fazer combinações bizarras nas horas de tédio em que lhe é dado zelar por um desses arquivos que aguardam a completa digestão das larvas. Vale a pena reproduzir o texto… “Caín gostava de fazer frequentemente um grande alarde erudito. A sua erudição chegava ao ponto de dizer que H. C. Robbins Landon estava a completar o catálogo total da música de Haydn; que Tchékhov conheceu Tchaikovsky em São Petersburgo, no início de Dezembro de 1888; que a modelo preferida de Delacroix se chamava Émilie Robert; que, se o jazz nasceu nos bordéis de Nova Orleães, foi a ordem da Secretaria da Marinha norte-americana, em 1917, ao encerrá-los, a ocasião para a sua difusão e desenvolvimento posterior. Etc. Parece-me que Caín encontrava estas citações ao acaso, nas suas leituras caóticas e, por isso mesmo, múltiplas, e que as ia anotando nas críticas à primeira oportunidade, viessem ou não a propósito. Um dia disse-lho. A resposta dele deixou-me gelado (tão gelado que, se tivesse tido sabor, não estaria aqui a contar isto: estávamos à porta de uma escola), porque respondeu-me com uma citação de Chesterton: ‘Afinal, creio que hoje não me vou enforcar’, foi o que disse.” Onde queremos chegar? Essa costuma ser uma interrogação bastante cruel. Talvez ainda seja o mesmo problema do início, a criança que faz filmes para si, inventa o cinema para não ser absorvida pelo escuro. Neste episódio, vamos traçar um percurso entre esse desejo de ser encantado, entre a descoberta do cinema como arte produtora de uma memória defensiva, e um enredo formidável de correspondências, imagens que nutrem uma espécie de sistema imunitário e de resposta da imaginação contra circunstâncias ...
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    4 h et 8 min

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