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Page de couverture de Fim do shutdown deixa clima de "ressaca institucional" em Washington

Fim do shutdown deixa clima de "ressaca institucional" em Washington

Fim do shutdown deixa clima de "ressaca institucional" em Washington

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O fim do shutdown caiu sobre Washington como aquele momento em que as luzes da festa acendem antes da hora. Todo mundo tenta organizar o próprio discurso, improvisar uma narrativa de vitória e mostrar alguma musculatura política, mas o clima geral é de ressaca institucional. A máquina pública voltou a funcionar, mas algo ficou desalinhado nos bastidores. Democratas e republicanos circulam pelos corredores com aquela segurança performática típica do jogo político, enquanto, internamente, fazem as contas sobre o que realmente ganharam ou deixaram escapar. Thiago de Aragão, analista político Nenhum dos lados sai exatamente derrotado, mas ambos carregam uma sensação incômoda de que o processo expôs fragilidades que eles prefeririam manter fora do alcance do público. Os republicanos foram rápidos em se declarar vitoriosos. A reabertura do governo sem conceder a principal exigência democrata virou manchete conveniente e ajudou a reforçar o discurso de rigor fiscal que a base conservadora quer ouvir. A narrativa é limpa, direta e eficiente. Só que a política raramente se resume ao texto final da lei. O país sentiu, de forma concreta, o impacto da paralisação. Voos atrasados, serviços essenciais interrompidos, pagamentos represados, filas, irritação generalizada. A memória coletiva costuma transformar esse tipo de frustração em cobrança. Ao assumirem o protagonismo no desfecho do impasse, os republicanos também assumiram a responsabilidade por fazer a engrenagem voltar a girar com ritmo. Se nas próximas semanas o governo parecer lento, desorganizado ou intermitente, a suposta vitória pode se dissolver em desgaste. Democratas deixaram escapar o timing Do lado democrata, o cenário é quase um espelho invertido. Eles conseguiram manter a discussão sobre saúde no centro da arena, exatamente onde queriam. A retomada imediata de programas sociais reforça a narrativa de que defendem políticas públicas que tocam a vida real das pessoas. Isso tem valor político tangível. Mas internamente o sentimento é de que o partido deixou escapar o timing. Muitos democratas avaliam que poderiam ter mantido a pressão por mais tempo para extrair concessões adicionais em subsídios e políticas de acesso à saúde. O tema continua vivo, mas aquele instante perfeito, raro e precioso em negociações dessa natureza, evaporou. E perder o instante certo, na política americana, costuma custar tão caro quanto perder a própria votação. Por trás dessa disputa de versões está um elemento estrutural que nenhum dos partidos gosta de encarar de frente. A engrenagem orçamentária virou uma sequência permanente de soluções temporárias, gambiarras legislativas e improvisações de última hora. As “resoluções contínuas”, que deveriam ser medidas excepcionais, se transformaram no modus operandi. A cada ciclo, a confiança no processo se desgasta um pouco mais. A economia sente. O setor público sente. A imagem internacional sente. E tudo isso decorre de um modelo que opera mais pelo medo do colapso do que pela capacidade de governar com previsibilidade. "Commodity tempo" Nesse contexto, o que o shutdown realmente ofereceu foi uma commodity curiosa: tempo. Não o tempo produtivo, que permite planejar, negociar e avançar. Mas um tempo artificial, comprado às pressas, que apenas empurra adiante a mesma crise de sempre. É a sensação de que o país vive uma coreografia repetida, onde cada partido dança como se controlasse o ritmo, embora ambos saibam que a música está fora de compasso há anos. Agora, com o governo religando suas funções e o próximo prazo já sinalizando no calendário, democratas e republicanos retomam a arena como se estivessem começando algo novo, quando, na verdade estão prolongando o mesmo impasse. Carregam declarações afiadas, vitórias parciais, promessas de reorganização e um cansaço disfarçado que ninguém admite publicamente. A verdadeira métrica de sucesso não está no ato de reabrir o governo, mas no que serão capazes de entregar até o início do próximo ciclo orçamentário. Se conseguirem estabilizar serviços, avançar em saúde e aprovar o restante do orçamento sem mergulhar o país em outra turbulência, poderão vender a narrativa de que o custo da paralisação valeu a pena. Caso contrário, o episódio será lembrado como mais um capítulo de um sistema que opera no limite da improvisação. Washington, no fim das contas, volta ao modo de sempre: funcional por fora, tenso por dentro, tentando passar ao mundo a impressão de que tudo está sob controle. Mas, dessa vez, com a sensação, cada vez mais difícil de esconder, de que o relógio institucional está avançando mais rápido do que a capacidade política de acompanhá-lo.
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