Épisodes

  • Após COP30 não avançar para o fim do desmatamento, flexibilização da Lei Ambiental ameaça meta no Brasil
    Dec 4 2025
    A realização da Conferência do Clima das Nações Unidas em plena Amazônia não bastou para os países chegarem a um consenso sobre como encaminhar o fim do desmatamento no mundo. Dias após o fim do evento, a nova Lei de Licenciamento Ambiental Especial (LAE) ameaça o cumprimento dessa meta pelo Brasil, país que mais devasta florestas no planeta. Lúcia Müzell, da RFI em Paris O desmatamento é a segunda maior fonte de emissões de gases de efeito estufa, atrás do uso de combustíveis fósseis. Mesmo assim, a COP30 falhou em apontar um caminho para o cumprimento de uma das metas do Acordo de Paris: acabar com a destruição das florestas até 2030. O objetivo está previsto no tratado internacional há dez anos. Com uma linguagem vaga, os documentos da Conferência de Belém mencionam a importância da preservação da natureza e do aumento dos “esforços para deter e reverter o desmatamento e a degradação florestal” nos próximos cinco anos – sem especificar como nem com quais recursos. “Eu acho que ela podia ter entregado muito mais do que entregou. A gente viu que dois textos até tratam da questão das florestas. Mas do ponto de vista da implementação mesmo, a gente viu zero avanços”, lamenta Fernanda Carvalho, diretora global de políticas climáticas da organização WWF. Ela acompanhou as negociações da COP30 como observadora da sociedade civil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou emplacar a discussão de dois roteiros fundamentais para o combate efetivo das mudanças climáticas: um para o fim dos combustíveis fósseis e um segundo para o desmatamento. Nenhum dos temas estava na agenda oficial de negociações da conferência. Um primeiro projeto da decisão Mutirão da COP30 – o pacote de acordos políticos do evento – chegou a incluir a discussão sobre os temas. Entretanto, diante da forte resistência de cerca de um terço dos países participantes à questão do petróleo, ambos os trechos foram retirados dos documentos finais. Foco nos combustíveis fósseis Os debates acirrados sobre as energias fósseis acabaram por abafar as possibilidades de progressos no tema do desmatamento, avalia Fernanda Carvalho. “Não soube de ninguém que bloqueou especificamente o desmatamento, mas como isso não era um item de agenda, a opção foi não avançar com isso. Como já estava gerando tanto conflito a parte de combustíveis fósseis, eu acho que não teve como avançar”, reitera. A especialista salienta que, sem um planejamento robusto, os cinco anos que restam pela frente podem não ser suficientes para o cumprimento do objetivo. “É um prazo curtíssimo para implementar coisas que a gente já tinha que ter implementado. E, no caso de florestas, já existem compromissos anteriores, que eram sobre 2020, que a gente não conseguiu alcançar”, lembra. “Então era superimportante que a gente tivesse tratado disso com mais força nessa COP.” A solução apresentada pela presidência brasileira da COP30 foi lançar discussões oficiais sobre os dois mapas do caminho – para o fim da dependência das energias fósseis e o fim do desmatamento – ao longo do próximo ano, durante o mandato do embaixador André Corrêa do Lago. O papel das florestas na crise climática é central: elas não apenas absorvem cerca de 30% do CO₂ emitido no planeta, como a derrubada das árvores as torna fonte de mais emissões. O Brasil, com a maior floresta tropical do mundo, lidera o ranking dos países que mais devastam as florestas, seguido por República Democrática do Congo, Bolívia, Indonésia e Peru, entre outros. Mas o país é o único que já possui um roteiro para acabar com a devastação até o fim desta década, salientou a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, ao final da conferência em Belém. “A Amazônia não recebe apenas um legado, mas ela também oferece um legado. Com certeza o Brasil será uma referência para mapas do caminho em outros lugares e em outras regiões do mundo, salvaguardando os diferentes contextos e realidades em termos de conformação florestal”, indicou Silva. Liderança brasileira ameaçada Na visão de Fernanda Carvalho, o país tem demonstrado que poderá cumprir o objetivo: o desmatamento caiu 32% de 2023 para 2024, e iniciativas como o Plano Nacional de Bioeconomia alavancam o desenvolvimento sustentável na região, sem devastação. Entretanto, os retrocessos promovidos pelo Congresso na agenda ambiental, como a simplificação do licenciamento de grandes projetos dos governos, colocam a meta brasileira em xeque. “Tudo depende de vontade política, e a gente vê sempre que existem batalhas políticas internas. A flexibilização do licenciamento pode ser desastrosa e gerar mais desmatamento”, adverte Carvalho. A nova versão da Lei de Licenciamento Ambiental Especial (LAE) – criada por Lula por meio da Medida Provisória 1.308/2025 – foi aprovada a toque de caixa pelo Senado nesta...
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  • Como um vazamento de petróleo pode dizimar manguezais da Amazônia – e as comunidades que deles dependem
    Nov 20 2025
    Diante dos blocos em alto-mar de onde a Petrobras sonha em extrair petróleo, está a maior faixa contínua de manguezais do mundo, na costa norte do Brasil. A cerca de 100 quilômetros de Belém e da Conferência do Clima das Nações Unidas, na ilha de Marajó, uma pequena comunidade de pescadores se mobiliza contra o projeto de prospecção do governo federal na bacia da foz do rio Amazonas – com potencial de abalar ainda mais uma localidade já duramente afetada pelas mudanças climáticas. Lúcia Müzell, enviada especial da RFI a Belém Ecossistemas complexos, mas também extremamente vulneráveis a um vazamento de óleo, os manguezais estão na linha de frente dos riscos do projeto. Enquanto o mundo se levanta para defender a ameaça à floresta amazônica, os mangues são as vítimas esquecidas, observa o professor Marcus Fernandes, diretor do Laboratório de Ecologia de Manguezal da UFPA (Universidade Federal do Pará). "Na Amazônia, a gente sempre se voltou para terra firme, e esqueceu de que nós temos uma costa. O Brasil tem a segunda maior área de manguezal do mundo, e a Amazônia tem 85% dessa área”, salientou. Nesses 85%, está a maior área contínua de manguezal do mundo, entre a Baía do Marajó e a Baía de São José, no Maranhão. Diferentemente de uma praia, onde uma catástrofe ambiental pode ser melhor controlada, em zonas úmidas e pantanosas o impacto é quase irreversível. “Você não tira o petróleo, na verdade. Você forma uma camada impermeável sobre o sedimento lodoso do manguezal”, explicou o professor. "Isso faz uma espécie de bloqueio da troca gasosa e reduz o oxigênio disponível nas raízes, a respiração da planta, que leva a uma asfixia radicular e à consequente morte das árvores. É uma grande catástrofe, que dura por décadas, até centenas de anos”, complementou. Presidente do Ibama ameniza os riscos A autorização para os testes da Petrobras foi o processo ambiental "mais longo” já feito pelo Ibama, argumenta o presidente do órgão federal, Rodrigo Agostinho. Ele defende um procedimento “muito exigente” e ameniza os riscos do projeto. “Todas as modelagens apontam que, em mais de 90% dos momentos, se tiver um vazamento de óleo, esse óleo vai para mar aberto em vez de vir para a nossa costa. Mas sempre existe risco”, reconheceu à RFI, à margem dos eventos da COP30. O bloco FZA-M-059, alvo da autorização do Ibama, fica a 175 quilômetros da costa do Amapá e a 500 quilômetros da foz do Amazonas. “O pré-sal é muito mais próximo, e em acidentes na região do pré-sal, o óleo tende a vir para o litoral, por conta da corrente do Brasil. É diferente da margem equatorial onde, na maior parte do tempo, as modelagens apontam que a maior probabilidade é que esse óleo vá para o alto mar”, assinalou Agostinho. O bloco em questão localiza-se a cerca de 600 quilômetros da Reserva Extrativista Marinha de Soure, administrada pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). Na pacata Vila dos Pesqueiros, moram menos 400 pessoas que sobrevivem de serviços e da pesca, principalmente de caranguejos e moluscos no manguezais. ‘O mangue é vida' "O mangue é o nosso sustento. É a nossa segunda casa”, sublinhou Patricia Faria Ribeiro, ex-pescadora, cozinheira e liderança comunitária. "O mangue é vida para a gente, porque esse território é nosso. Então, quem tem que cuidar dele somos nós." A notícia da liberação caiu como uma bomba – ninguém estava a par dos planos da companhia de petróleo na região. "Estamos mobilizando agora todas as comunidades que antes não estavam sabendo e agora, sabendo, juntando forças com estratégia, com cartazes, dizendo 'não queremos, não queremos’”, disse pescador artesanal Jorge Gabriel. “Somos contra a destruição de uma fauna, uma flora que é a nossa vivência, a nossa vida toda. Com poucos recursos, nós conseguimos sobreviver, porque aqui temos rio, temos o manguezal, que é riquíssimo, berçário para muitos peixes. Então, se isso acontecer, serão poucos ficando ricos e muitos ficando pobres", destacou. As estatísticas são deficientes, mas em toda a costa, são milhões de pessoas dependendo da pesca e da coleta de moluscos e frutos do mar. "A gente sempre viveu tranquilo aqui. Pegou o caranguejo direto do mangue e comeu. Pegou o peixe direto do mar e comeu”, complementou Patricia, “nascida e criada” na Vila dos Pesqueiros. Ela exige a mais transparência sobre o que poderá acontecer com a ilha se o projeto de exploração de petróleo seguir adiante. "Nós precisamos saber o que realmente vai acontecer. Não pensar só nos royalties, mas pensar no nosso futuro”, insistiu. Impacto no turismo Agente comunitário de saúde há 35 anos, Alfredo Leal dos Santos hoje só pesca nas horas vagas, mas também vê com preocupação o futuro da ilha onde nasceu. "Nós temos uma vida saudável aqui. Respiramos esse ar puro, a nossa água ...
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  • Transição energética para quem? À margem da COP30, Cúpula dos Povos começa com “barqueata”
    Nov 13 2025
    Os povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e movimentos sociais do mundo inteiro marcaram a história das Conferência do Clima da ONU nesta quarta-feira (12). Em um protesto inédito em forma de barqueata, com 200 embarcações pelo rio Guamá, eles denunciaram uma COP que não reflete as demandas das populações mais vulneráveis, na linha de frente das mudanças climáticas. Lúcia Müzell, enviada especial da RFI a Belém A manifestação no rio deu a largada para a Cúpula dos Povos: durante cinco dias, os cerca de 5 mil participantes trarão para o debate as próprias soluções para o enfrentamento do aquecimento global, como a agroecologia e a agricultura familiar. Muitos questionam um dos focos das negociações diplomáticas da conferência: a transição energética para uma economia de baixo carbono. Elaine da Silva Barros, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), veio do Maranhão e teme que a busca por minérios importantes para a eletrificação, como alumínio, cobalto e lítio, aumente ainda mais a pressão sobre os territórios amazônicos. "A transição energética não é para nós. O Brasil já se supre e tem uma matriz energética de renováveis”, explica. "Não faz sentido o Brasil ter que mudar a sua matriz energética para que os países europeus e os Estados Unidos possam sair dos combustíveis fósseis. Não faz sentido aumentar a mineração nos nossos territórios e aumentar a expulsão dos nossos povos deles”, argumenta. A indígena Jéssica Cumaruara também era uma das passageiras da Caravana da Resposta, um barco que navegou mais de 3 mil quilômetros até chegar à capital paraense para o protesto. A embarcação percorreu o chamado corredor da soja, de Sinop, no Mato Grosso, até Belém do Pará, trazendo cerca de 40 movimentos sociais ou povos originários. "Para quem é a COP? Eles falam muito em transição energética, energia limpa, mas é do jeito deles”, aponta. "Não nos consultam, não se reúnem com a gente para falar sobre ela. Queremos que sejam verdadeiros, que falem sobre os benefícios, mas também sobre os impactos." Impactos socioambientais de hidrelétricas O Movimento dos Atingidos por Barragens estava lá para abordar os impactos ambientais e sociais sentidos há bastante tempo pela produção de eletricidade no país, por hidrelétricas. "Infelizmente o que tratam de energia limpa, para nós, não tem nada de limpo. A transição energética só é possível se houver uma mudança radical das estruturas e do modelo energético no Brasil, que explora, invade territórios, alaga territórios e viola direitos humanos”, afirma Fred Vieira, da coordenação da entidade no Pará. Para Jéssica, a maior preocupação é proteger o rio Tapajós do projeto de hidrovia do governo federal. A obra prevê dragagem para facilitar a navegação para o escoamento da produção de grãos e minérios entre Itaituba e Santarém, no Pará. "O presidente Lula privatizou o nosso rio, quer transformar o nosso rio em rota para o agronegócio, e isso nós não vamos aceitar. Queremos o rio livre”, disse. “Ele já está sendo contaminado pelo garimpo ilegal, pelo mercúrio. Quando destroem e contaminam o nosso rio, também estão nos matando.” O pescador Benedito de Souza Ribeiro, 62 anos, dependeu a vida inteira de outro rio, o Amazonas. Ele vê o governo federal “refém” de um Congresso dominado pelo agronegócio e as mineradoras. "As grandes indústrias estão se instalando dos nossos territórios e expulsando os nossos pescadores da área, os ribeirinhos, que sobrevivem da pesca. E são esses empreendimentos, as barragens, as mineradoras, que estão causando o aquecimento global”, acusa. Participação indígena recorde, mas ainda insuficiente Para os povos indígenas, o enfrentamento do aquecimento global passa por mais demarcação de terras. A gente precisa que os governos, principalmente de outros países, ouçam isso da gente. A demarcação é o mais importante porque ali a gente vai viver em paz, conforme a nossa cultura”, salienta Bepmoroi Metuktire, neto do cacique Raoni e membro da juventude caiapó. "Nós somos os guardiões da floresta. Ela é tudo para nós”, frisa. Nunca uma COP teve tantos indígenas registrados – são 300 apenas na delegação brasileira. Mas, para eles, não é suficiente: eles reivindicam um assento especial nas negociações oficiais. Também exigem ser consultados sobre qualquer projeto que envolta as suas terras, aponta Raquel Mura, do povo indígena Mura Autazes, do Amazonas. "Estar aqui é mostrar a Amazônia para o mundo e dizer assim: ouve a nossa voz, não destrói a floresta porque a gente está aqui. Existem pessoas aqui”, ressalta. "A nossa proposta é que o nosso presidente olhe mais para os povos indígenas, porque por mais que ele tenha ajudado a diminuir o desmatamento, ele simplesmente liberou a exploração de petróleo na foz do Amazonas. Isso é muito ...
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    7 min
  • O que esperar da COP30 em Belém, apesar da credibilidade manchada de petróleo do Brasil?
    Nov 6 2025
    Os esforços do mundo para combater o aquecimento global ainda estão longe de serem suficientes para a humanidade escapar de um cenário trágico de alta média das temperaturas no planeta de 2,8 °C até o fim deste século. A partir desta quinta-feira (6), a cidade de Belém, no Pará, recebe a maior reunião internacional sobre como corrigir a rota para evitar o pior. Lúcia Müzell, enviada especial da RFI a Belém A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30) acontecerá num contexto nada favorável: multilateralismo em crise, ausência dos maiores responsáveis históricos pelo problema – os Estados Unidos –, guerras em curso. Dois anos depois de os países terem atingido um acordo histórico para “se afastarem” dos combustíveis fósseis, responsáveis por 75% das emissões de gases de efeito estufa, o tema ficou em segundo plano, constata a cientista Thelma Krug, ex-vice-presidente do IPCC (Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas). Os investimentos em massa em energias renováveis, liderados pela China, ainda não conseguiram reverter a alta das emissões provocadas pelo petróleo, o carvão e o gás. "Os países não querem falar de phase out [saída] do petróleo porque muitos não têm ideia de quando vão conseguir fazer isso. Então, há uma maior velocidade na introdução de renováveis”, explica. "Para alguns isso vai ser mais fácil, para outros, vai ser mais difícil, até porque muitos não vão ter a mesma capacidade de ter tantas fontes de renováveis: não têm vento, não têm solar, nem hidrelétrica, nem geotermal que possa alimentar essa maior produção de energia. Há que se pensar em como os países poderão trabalhar, a partir de uma cooperação internacional fortalecida, com capacitação, transferência de tecnologia, para ajudar os países a fazer essa transição", diz Krug. Stella Hershmann, especialista em negociações climáticas do Observatório do Clima, complementa: "O que essa COP entregaria de mais revolucionário seria uma conversa honesta e justa sobre esses critérios e pensar: 'tá bom, quem vai começar? Quem vai apoiar quem? De onde vem o financiamento?’". Petróleo x combate ao desmatamento O problema é que o anfitrião da COP, o Brasil, exerce a presidência do evento com a credibilidade manchada, após a liberação de testes de prospecção para uma nova fronteira de exploração de petróleo, na foz do rio Amazonas. Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, lamenta o mau exemplo: em vez de apresentar uma estratégia clara de transição energética, o Brasil chega a Belém com um plano de expansão dessas fontes poluentes. "Estamos presos ao slogan 'O petróleo é nosso', lá da década de 1960, 1970”, aponta Natalie Unterstell. "Eu quero que a gente fale que o ar é nosso, que o mar é nosso, que a floresta é nossa, que a energia limpa é nossa. Está na hora de trocar esse slogan.” Mas apesar do sinal negativo enviado pela medida, Thelma Krug considera "muito difícil" que algum país cobre o Brasil pela decisão, durante as negociações oficiais. A razão é simples: a maioria deles têm telhado de vidro na questão dos fósseis. "Há uma enorme quantidade de países aumentando a exploração de outras plantas de petróleo, de carvão, de gás natural. Temos Índia, China, Estados Unidos, Austrália, Canadá, para citar alguns", pontua. "Se houver pressão, ela virá da sociedade civil." Atraso na entrega de compromissos climáticos Nesta quinta (6) e sexta (7), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe cerca de 60 chefes de Estado e de Governo para a Cúpula dos Líderes, que precede a conferência propriamente dita, a partir de segunda-feira (10). Ele deve insistir nos resultados positivos do país na luta contra o desmatamento, a principal causa das emissões brasileiras, à frente da agricultura e do consumo de fósseis. Os últimos números oficiais indicam a maior queda da devastação da Amazônia em 11 anos. A meta é zerar o desmatamento no país em dez anos. Os 196 membros da Convenção do Clima da ONU deveriam apresentar neste ano novos compromissos climáticos para encaminharem, até 2035, a transição para uma economia de baixo carbono. Às vésperas do evento, entretanto, apenas um terço deles cumpriu os prazos e, mesmo assim, as promessas colocadas sobre a mesa decepcionaram. "É um indicador muito ruim do comprometimento dos líderes dos países com o enfrentamento da crise climática. Por esse aspecto, é difícil você chegar a esse encontro otimista”, avalia Hershmann. "São muitos os desafios que essa COP tem que superar para entregar decisões significativas", diz. "Se a gente conseguir manter essa união, esse coletivo, independentemente da saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, eu já vou ficar muito feliz”, reconhece Thelma Krug. Adaptação, implementação, justiça ...
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  • COP30 será mais uma rodada de promessas? Presidente da conferência espera recursos para adaptação
    Oct 30 2025
    Em uma semana, o Brasil estará no foco das atenções do mundo, com o início da Cúpula do Clima em Belém, no Pará (COP30). Num contexto internacional desfavorável, a presidência brasileira do evento trabalha para que esta seja a COP da implementação: que a conferência enderece soluções para os países tirarem do papel as promessas feitas até aqui, para o enfrentamento do aquecimento do planeta. Lúcia Müzell, da RFI em Paris Em entrevista exclusiva à RFI, em Paris, o presidente designado da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, ressaltou que a revolução das energias renováveis desde a assinatura do Acordo de Paris, há 10 anos, traz razões para otimismo. “Antes do acordo, havia uma perspectiva de que a temperatura chegaria a no mínimo 4ºC até 2100, e agora já há um certo consenso científico que ela deve estar a caminho de 2,7ºC, se nós não fizermos ainda mais esforços", ressaltou. "Por mais que a gente não esteja no nível que nós deveríamos estar, muitos avanços aconteceram e nós podemos ser otimistas." A COP30 vai ocorrer em duas etapas: primeiro, nos 6 e 7, chefes de Estado e de Governo se reunião para a Cúpula dos Líderes na capital paraense, a convite do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O francês Emmanuel Macron e o presidente do Conselho Europeu, António Costa, estão entre os que confirmaram presença, mas é esperado que Belém não receberá números expressivos de lideranças, ao contrário do que ocorreu na reunião em Dubai, há dois anos. Na sequência, de 10 a 21 de novembro, acontece a conferência propriamente dita, reunindo diplomatas, cientistas, especialistas, setor privado e sociedade civil, para duas semanas de negociações sobre os principais temas relacionados à mudança do clima. "Nós vamos ter anúncios muito importantes de aumento de recursos para adaptação", antecipa Corrêa do Lago. A preocupação de que os Estados Unidos não apenas não participem da COP, como atuem para bloquear qualquer acordo em Belém, paira sobre o evento. O país, maior emissor histórico de gases de efeito estufa, não tem participado das negociações prévias à conferência, mas poderia enviar uma delegação para as negociações oficiais. “A questão da participação americana ainda é uma incógnita”, reconheceu o diplomata. Confira os principais trechos da conversa: Quantos líderes exatamente vão participar da cúpula? Quais serão os chefes de Estado e de governo esperados e, depois dela, quantos países vão participar da Conferência do Clima de Belém? O número de autoridades que vão vir para cúpula ainda está indefinido, porque qualquer programação que inclua chefes de Estado hoje em dia é muito complexa: questões de deslocamento, segurança etc. Eu acredito que vai ser uma cúpula com alguns dos chefes de Estado mais relevantes, porque a liderança do presidente Lula hoje é particularmente notável no mundo e a questão do clima é um tema que alguns acreditam que diminuiu de intensidade do ponto de vista das trocas internacionais, mas quando a gente está falando de fortalecimento do multilateralismo, a questão do clima é absolutamente central. Então, eu acredito que nós vamos ter a esmagadora maioria dos países na COP. Dez anos depois da assinatura do Acordo de Paris, não podemos dizer que algum país tenha cumprido plenamente as suas metas climáticas. Nenhum grande emissor está, de fato, no caminho de limitar o aquecimento global a 1,5ºC, conforme o acordo prevê, entre eles o próprio Brasil. O que precisa acontecer em Belém para que essa conferência não seja lembrada como apenas mais uma rodada de promessas? Eu acho que tem certos países que estão no bom caminho, sim. Um deles é o nosso. A nossa NDC [Contribuição Nacionalmente Determinada, na sigla em inglês] para 2030 deve ser cumprida. Nós realmente temos sido exemplares, inclusive porque, como todos sabem, um dos grandes problemas das nossas emissões é o desmatamento. Eu acho que nós vamos continuar a ter números positivos no combate ao desmatamento. Outros países também progrediram de maneira significativa, aumentando os seus investimentos em renováveis. Tem uma quantidade de países que a gente não imagina que evoluiu de maneira incrível. Você pega o Uruguai, por exemplo: em oito anos, passou a ter tanta eólica que agora está com 99% da sua eletricidade renovável. O Quênia também está praticamente com 99%. Para nós, brasileiros, é natural, porque o Brasil tem renováveis há muito tempo, mais ou menos a 90%. Essa tendência tem se expandido de maneira impressionante. Vários países desenvolvidos estão reduzindo de maneira significativa as suas emissões. Ou seja, tem muitos resultados, e um dos que são muito claros é o quanto nós já conseguimos mudar o caminho que estava traçado antes do Acordo de Paris. Havia uma perspectiva de que a temperatura chegaria a no mínimo 4ºC até 2100, e agora já há ...
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    15 min
  • Do pasto ao prato: adesão de pequenos produtores desafia rastreabilidade da pecuária na Amazônia
    Oct 23 2025
    A pecuária extensiva é o principal vetor da devastação da Amazônia: entre 80% e 90% das áreas desmatadas são convertidas em pasto para o gado, segundo diferentes estudos de instituições de referência, como Mapbiomas. Nos holofotes do mundo por sediar a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), o país ainda engatinha em implementar a rastreabilidade da cadeia bovina, etapa fundamental para evitar que mais árvores sejam derrubadas para a produção de carne. Lúcia Müzell, enviada especial da RFI a Belém, Novo Repartimento e Assentamento Tuerê (Pará) Sede da maior reunião do mundo sobre a crise climática, o Pará – segundo maior produtor do Brasil, atrás do Mato Grosso – quer dar o exemplo e adota o primeiro programa de rastreabilidade do gado na Amazônia. O plano é que, até 2027, todo o rebanho estará com o chip na orelha, dando acesso ao trânsito completo de um animal desde o nascimento até chegar à prateleira do supermercado. Do ponto de vista ambiental, a informação crucial é saber se, em alguma etapa, o boi passou por áreas ilegalmente desmatadas. O controle do início da cadeia é o principal desafio para o sucesso do programa – e envolve centenas de milhares de pequenos produtores, espalhados pelo estado. Desde 2013, o Pará ultrapassou o Mato Grosso e está no topo da lista dos que mais devastam a Amazônia. “Para lhe falar a verdade, vontade de desmatar, eu tenho muita. Muita mesmo”, disse à RFI o agricultor familiar Adelson Alves da Silva Torres. Há 25 anos, ele deixou o Maranhão e chegou ao Pará, atraído pela promessa de uma vida melhor. Há 19, conseguiu um lote de 25 hectares no Assentamento Tuerê, conhecido como o maior da América Latina, no leste do estado. Nesta região, a pressão do desmatamento para a pecuária já devastou praticamente tudo que havia de floresta. Produtividade baixa impulsiona mais desmatamento Na maioria das vezes, os rebanhos ocupam vastas áreas, em lugares remotos, com produtividade muito baixa: menos de um boi por hectare. Na Europa, em países como Holanda, o índice chega a sete. Mas num país extenso como o Brasil, é mais barato abrir novas áreas de pastagem do que conservar as que já existem, com manejo adequado do pasto, do solo e do próprio gado. O desafio é ainda maior para os pequenos produtores, de até 100 animais. No Pará, 67% dos pecuaristas se enquadram nesta categoria.  O carro-chefe da roça de Adelson sempre foi a agricultura: cacau, banana, mandioca. Nos últimos anos, voltou a criar gado e hoje tem dez cabeças. A diferença é que, desta vez, ele está recebendo orientação técnica para produzir mais, no mesmo espaço de terra. “Através dessas reuniões que eu tenho participado, eu resolvi deixar [a mata]. Até na serra, eu não posso mexer”, garantiu. “Se tivesse como o governo ajudar a gente no manejo dentro de uma área pequena, com a cerca elétrica, dividir tudo direitinho. Mas, para isso, nós, que somos pobres, nós não aguentamos. Se fosse assim, não precisava desmatar.” Mudança de mentalidade Convencer os agricultores de que dá para produzir mais sem derrubar a floresta é um trabalho de formiguinha. “É uma região muito desafiadora. São famílias que estão lutando no seu dia a dia, buscando a sua independência financeira, sua regularização fundiária e ambiental”, explica Leonardo Dutra, coordenador de projetos do Programa da Amazônia da Fundação Solidaridad, que atua há 10 anos em municípios na rodovia Transamazônica. A entidade ensina técnicas de agropecuária sustentável e ajuda os pequenos produtores a se regularizarem à luz do novo Código Florestal, adotado em 2012. “É um desafio porque são famílias que têm uma cultura longeva, com determinado tipo de trabalho, e a gente precisa avançar nessas técnicas para que elas assimilem, ano após ano. A gente costuma trazer lideranças de outras regiões que já conhecem o nosso trabalho, e aí a gente começa a ganhar confiança deles.”   Do total da carne produzida no Brasil, 43% vem da Amazônia Legal, segundo levantamento do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). A produção é profundamente fragmentada: entre o nascimento e o abate, o boi pode passar por três proprietários diferentes – e apenas a última etapa, a do fornecedor direto para o frigorífico, tem fiscalização ambiental rigorosa no país. Isso significa que milhares de produtores em condição irregular conseguem revender os animais para fornecedores "limpos", que comercializam com os grandes frigoríficos. É a chamada lavagem de gado. “A gente ainda não está em plenas condições de garantir que temos controle sobre isso”, afirma Camila Trigueiro, analista de pesquisa do Imazon, instituto especializado em desenvolvimento sustentável, em Belém.  “Se a gente conseguir identificar todos os animais, a origem deles, tornar isso ...
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    29 min
  • Alto potencial do cacau afasta produtores da pecuária e recupera floresta na Amazônia
    Oct 16 2025
    A disparada dos preços do cacau nos últimos anos dá o que falar na Amazônia e impulsiona um movimento tímido, porém crescente, de produtores rurais que decidem reduzir o rebanho de gado e apostar na matéria-prima do chocolate. Na economia da floresta em pé, o cacau desponta não apenas como uma alternativa promissora de renda, como pode ser vetor de recuperação de áreas desmatadas. Lúcia Müzell, enviada especial da RFI a Marabá, Assentamento Tuerê e Altamira (Pará) Na região de Marabá, na fronteira leste do desmatamento da Amazônia no Pará, restam apenas vestígios do que um dia já foi tomado pela floresta. Dos dois lados da rodovia Transamazônica, obra faraônica do período da ditadura militar, predominam extensas áreas de pastagens para a criação de gado. É neste contexto que culturas agrícolas alternativas à pecuária, ou pelo menos complementares, aparecem como um caminho para conter este processo de avanço da agricultura em direção à mata. O cacau é uma das que melhor se associa à floresta nativa da Amazônia. Sob a copa de árvores como cumaru e andiroba, e com manejo adequado, a planta é mais resistente às pragas, tem maior durabilidade e dá frutos de melhor qualidade, com maior valor de mercado.  Ao contrário de outros grandes produtores mundiais, em especial na África – onde a monocultura de cacau “a pleno sol” leva ao desmatamento –, no Brasil o plantio do fruto hoje ocupa áreas já degradadas ou em consórcio com outras culturas. O pequeno agricultor Rubens Miranda, 73 anos, chegou a Marabá aos 17 e, desde então, trabalha na roça e cria gado. Mas desde 2016, a área de pasto da sua propriedade de 27 hectares está cada vez menor – dando lugar a uma variada produção em sistema agroflorestal (SAF), da qual o cacau é estrela. "Estou com só 25 cabeças agora. Eu tinha 70 quando eu comecei a investir no plantio", conta ele. Produção de cacau por agricultores familiares No Pará, líder nacional no setor, mais de 80% da produção do cacau vem da agricultura familiar e 70% se desenvolve em sistemas agroflorestais como este, de acordo com um levantamento de 2022 da Embrapa Amazônia Oriental. Mas nem sempre foi assim. Na era dourada do cacau na Bahia, que alçou o país a maior produtor mundial no século 20, a produção em monocultura empobreceu a Mata Atlântica no nordeste. As lições da história agora servem de alerta para o avanço da cultura na Amazônia. "O que a gente vê no cacau é um exemplo de retorno de atividades agrícolas rentáveis trazendo árvores para o sistema. A gente entende que os consórcios são muito bem-vindos, fazem bem para a cultura do cacau, e são uma solução mais adequada para o que a gente está vivendo, especialmente as mudanças climáticas", indica João Eduardo Ávila, engenheiro agrônomo do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola). O instituto é um dos que levam capacitação técnica para os pequenos agricultores não repetirem os mesmos erros do passado. "A cacauicultura tem um potencial enorme de renda para as famílias, para que elas não fiquem só dependentes da pecuária", frisa. A cultura também exerce um papel positivo contra a crise climática: com manejo adequado e à sombra de outras árvores, tem potencial de acumular até 60 toneladas de carbono por hectare no solo, operando como sumidouro de CO2 em regiões que sofrem cada vez mais as consequências do desmatamento. Retorno financeiro é maior, mas não imediato Mas o cultivo do fruto exige paciência e dedicação: a safra demora cerca de quatro anos para começar, a poda é trabalhosa e, para sair pelo melhor preço, a amêndoa precisa ser fermentada. No final, o retorno financeiro compensa – o quilo é comercializado a cerca de R$ 60, podendo chegar a R$ 90, conforme a qualidade.  Os preços fazem os olhos de Rubens Miranda brilhar. Agora que consegue produzir mais no mesmo espaço de terra, ele se arrepende de, no passado, ter aberto tanta mata para criar gado. "Se fosse hoje, em uns cinco hectares eu trabalhava. Teria sido suficiente." Organizações da sociedade civil e outras instituições, como a Embrapa e o Ministério Público, além do governo do Pará, fazem um trabalho de longo prazo para convencer os agricultores familiares a migrarem para práticas agrícolas mais sustentáveis. Os gargalos são muitos: conhecimento técnico, logística, dificuldade de acesso aos mercados e, principalmente, recursos limitados para viabilizar a transição. "Nessa nossa região, é muito importante essa quebra de paradigmas, mostrar que é um resgate a um sistema produtivo que foi se perdendo ao longo do tempo. O monocultivo e a pecuária aqui na região é muito forte por questões históricas: aquela ideia de que você precisaria desmatar tudo para instalar um sistema novo", comenta Gilmar Lima Costa, engenheiro agrônomo do Ministério Público do ...
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  • COP30: Nas comunidades tradicionais amazônicas, clima mais quente já assusta e mobiliza adaptação
    Oct 9 2025
    A viagem é longa até a Terra Indígena Koatinemo: de Altamira, no coração do Pará, são mais três horas de "voadeira" pelo rio Xingu até chegar à casa do povo asurini, que acaba de comemorar meio século de contato com as populações urbanas "brancas". De lá para cá, o povo indígena resiste às pressões de invasores de terra, do desmatamento e do garimpo ilegal. Agora, faz frente a uma nova e poderosa ameaça: um clima cada vez mais quente. Lúcia Müzell, enviada especial da RFI à Terra Indígena Koatinemo (Pará) Em 2024, pela primeira vez, a seca recorde na Amazônia quebrou a safra da castanha, base da alimentação tradicional e carro-chefe da produção comercializada por populações indígenas, ribeirinhas e extrativistas da região. "Acho que passou uns três, quatro meses sem pingar uma gota de chuva. O verão castigou o nosso castanhal e não teve frutos”, relembra o cacique Kwain Asurini, na aldeia Ita’aka, com pouco menos de 400 habitantes. "A gente também está sentindo essa mudança climática aqui, mesmo sendo a floresta. A floresta sente que o aquecimento está, cada vez mais, prejudicando a própria floresta.” Sem água, os ouriços no alto de uma das árvores mais emblemáticas da Amazônia, a castanheira, não se desenvolveram, e eles caíram na terra vazios. A castanha é um dos produtos da floresta mais sensíveis ao calor, diferentemente de outros frutos, como o açaí. Milhares de pequenos produtores de comunidades tradicionais tiveram impacto não só na renda, como em toda a cadeia alimentar. A castanha é ingrediente para diversos pratos típicos e também é consumida por animais da floresta. Se eles não encontram o fruto, não aparecem e ficam menos acessíveis para a caça de subsistência dos povos indígenas. Iuri Parakanã, um dos caciques da Terra Indígena Apyterewa, descreve a situação como “um desespero” para toda a região conhecida como Terra do Meio. Ele conta que, naquele ano, a mandioca também não cresceu como deveria. "A floresta fala com os indígenas, e nós transmitimos a fala da natureza para o mundo saber o que está acontecendo, o que a natureza está sentindo. Estamos preocupados não somente com o nosso bem viver, mas também com os animais, que estão aqui na floresta e sentem isso”, salienta. "Tudo que plantamos morreu, por causa da quentura." Aquecimento pode chegar a 6°C em 2100 Já faz mais de 40 anos que o respeitado climatologista Carlos Nobre alerta sobre o risco de aumento desta “quentura” que Iuri Parakanã agora sente na Amazônia. Prêmio Nobel da Paz junto com os cientistas do Painel de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), Nobre afirma que os registros históricos da Amazônia apontavam para uma seca severa a cada 20 anos, em média. Nas últimas duas décadas, porém, quatro episódios graves de estiagem já ocorreram. Pior: os dois últimos se repetiram em dois anos consecutivos, 2023 e 2024 – quando o bioma teve a mais forte seca já registrada. "Mesmo que não tivesse nenhum fogo de origem humana, ainda assim seria muito difícil para a floresta se recompor. Quando tem uma seca muito forte, são quatro ou cinco anos para começar a recompor”, explica. "Mas aí vem uma outra seca, então, o que está acontecendo é que com essas quatro secas muito fortes, aumentou demais a área degradada na Amazônia." Estudos mostram que 40% da Amazônia já estão em algum estágio de degradação. A temperatura na região tem aumentado de 0,3°C a 0,4°C por década, havendo projeções que apontam para uma alta de até 6°C até 2100, no cenário de altas emissões de gases de efeito estufa, em comparação aos níveis pré-industriais. Na Terra Indígena Koatinemo, a adaptação às mudanças climáticas foi um dos tópicos mais debatidos na 10ª edição da Semana do Extrativismo (Semex), realizada em maio. Representantes de dezenas de comunidades tradicionais relataram o impacto da seca nos seus plantios de subsistência. "Os cacaus secaram, os rios e igarapés secaram e os animais sentiram. Os rios também secaram além do normal. Os peixes diminuíram muito”, disse Kremoro Xikrin, que veio do território de Trincheira Bacajá para o encontro. Carlos Nobre e o risco de colapso da floresta Enquanto isso, em volta da floresta protegida, o desmatamento continua – diminuindo a resiliência da mata para um clima em mutação. “A intenção deles é só fazer capim e pasto para o gado. Não plantam mais um pé de mandioca. Não plantam milho, não plantam feijão, não plantam um arroz”, diz o pequeno agricultor Joilton Moreira, ao contar sobre a pressão da ampliação das terras por grandes fazendeiros em torno da Comunidade Santa Fé, em Uruará, onde ele vive. Em 1990, um grupo de cientistas coordenados por Carlos Nobre advertiu, pela primeira vez, sobre o risco de a Amazônia atingir “um ponto de não retorno” causado pelas mudanças climáticas e à degradação – ou seja...
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