Épisodes

  • Alimentação, higiene, uso de antibióticos: como evitar a resistência microbiana
    Dec 2 2025
    De acordo com o relatório anual da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a resistência microbiana, publicado em outubro, um sexto das infecções bacterianas confirmadas em laboratório e mais comuns em humanos é resistente aos antibióticos. Taíssa Stivanin, da RFI em Paris Vários fatores contribuem para esse cenário, explicou o infectologista francês Sylvain Diamantis, membro da Sociedade de Doenças Infecciosas de língua francesa, que atua no hospital de Melun, na região parisiense. Ele cita, por exemplo, a prescrição de antibióticos para aumentar a massa muscular de bovinos e frangos de corte na agroindústria, o que facilita o aparecimento de micróbios resistentes. “A comunidade científica é claramente contra o uso de antibióticos como fator de crescimento em bovinos e aves”, diz o infectologista. As leis europeias proíbem a prescrição de antibióticos em animais que geram resistência nos humanos. “É uma questão que está atualmente no centro dos debates. O objetivo é que essas leis sejam adotadas em todo o planeta, para que o mundo humano e animal seja obrigado a respeitar as normas de prescrição em antibioterapia. A resistência microbiana é um fenômeno de saúde global, um reflexo da sociedade como um todo.” A França é um país que tradicionalmente prescreve muitos antibióticos, e isso se deve à sua própria história. No século XIX, o cientista Louis Pasteur, que hoje empresta seu nome ao famoso instituto francês com o qual o Brasil mantém várias parcerias, foi um pioneiro da microbiologia. Pasteur descobriu que as bactérias, presentes em toda parte no mundo e no organismo, podem também provocar doenças. Seus estudos estão na origem da adoção de hábitos de higiene simples, como lavar as mãos, essenciais na luta contra a propagação dos micróbios nocivos. Com a invenção da penicilina em 1928 por Alexander Fleming, uma das maiores descobertas da Medicina, o combate às bactérias ganhou outra dimensão social. “Na época, pensávamos que um ‘bom micróbio era um micróbio morto’, e os antibióticos começaram a ser muito usados”, lembra o infectologista francês. Segundo ele, o fato de a França ter grandes empresas do setor farmacêutico, como a Sanofi, também contribuiu para a popularização do uso das moléculas e o aumento das prescrições. O contexto social francês impulsionou o consumo e, ao longo das décadas, gerou um aumento progressivo da resistência bacteriana, explica o especialista francês. Mas a taxa está em diminuição há alguns anos, como resultado do lançamento de campanhas que alertam para o uso de antibióticos sem indicação precisa e da incorporação gradual de regras rígidas de higiene nos hospitais franceses, reforçadas após a pandemia de Covid-19, em 2020. “A França tem um nível alto de higiene nos hospitais, com o uso de produtos hidroalcoólicos que interrompem a transmissão das bactérias entre os profissionais de saúde nos estabelecimentos. Graças a isso, diminuímos a nossa taxa de resistência.” Mas, apesar das precauções, diz, os índices nos estabelecimentos franceses ainda permanecem elevados devido à circulação de pacientes de vários lugares do mundo, que às vezes carregam cepas bacterianas sofisticadas. Precisa mesmo de antibiótico? Seja no hospital ou em casa, uma das maneiras de lutar contra o aparecimento das bactérias super-resistentes é, obviamente, não ficar doente. Para isso, a adoção coletiva de hábitos básicos de higiene, como a lavagem das mãos, além de manter o calendário vacinal em dia, é essencial. De acordo com o infectologista, também é importante deixar de utilizar moléculas que geram mais resistência, como as cefalosporinas de terceira geração e as fluoroquinolonas, ambas de largo espectro, ou seja, que tratam diferentes tipos de infecções. Na França, esses dois antibióticos são prescritos principalmente por clínicos gerais, diz Sylvain Diamantis. “O grande desafio da estratégia nacional contra a resistência antimicrobiana é não prescrever antibióticos sem necessidade. Em estudos que fizemos, constatamos que apenas 20% das consultas nos consultórios médicos franceses são infecções bacterianas.” Segundo ele, as prescrições de antibióticos fora dos hospitais poderiam diminuir em 60%, já que bronquites, sinusites e outras doenças banais são, na maior parte do tempo, virais, e os antibióticos não vão acelerar a cura, como imaginam muitos pacientes. No caso da gripe, por exemplo, os antibióticos são prescritos, em geral, alguns dias depois do início da doença, após o retorno da febre, para prevenir infecções secundárias. A doença é caracterizada por uma febre em V, ou seja, começa alta, diminui e depois aumenta de novo, para finalmente ceder. De acordo com o infectologista, isso faz com que os pacientes atribuam de maneira errônea a melhora ao antibiótico, fazendo uma associação ...
    Voir plus Voir moins
    5 min
  • Conheça Snoopy, o cão que alegra o dia a dia de pacientes com câncer em hospital de Paris
    Aug 12 2025

    Desde 2022, Snoopy, um simpático setter inglês, faz parte do cotidiano do Instituto Curie, que atende pacientes com câncer. Ele atua em tempo integral, acompanhando pacientes e profissionais de saúde, ajudando a reduzir o estresse e a ansiedade provocados pelos exames e tratamentos.

    A enfermeira e cientista francesa Isabelle Fromantin trabalha na unidade de "Feridas e Cicatrização" do instituto parisiense. Ela é coautora do livro Snoopy, um cão que faz bem, publicado pela editora Solar, e divide a “guarda” do animal com sua equipe, que o acolhe à noite e nos finais de semana.

    “Colocamos o projeto em prática sem grandes dificuldades, pois já havíamos trabalhado com cães na detecção do câncer. Conhecíamos veterinários, especialistas em etologia e educadores caninos que nos ajudaram. Também abordamos questões relacionadas à higiene”, explica.

    Snoopy é acompanhado de perto por um veterinário, toma banho com mais frequência do que outros cães e utiliza um vermífugo mais potente. Ele não pode entrar no quarto de pacientes que estão com as defesas do organismo enfraquecidas, mas pode interagir com pacientes em fim de vida.

    Melhora da autoestima, humor e empatia

    Estudos mostram que a interação com animais pode favorecer o desenvolvimento da empatia e da autoestima, contribuindo para o bem-estar geral dos pacientes.

    Entre os principais efeitos observados estão a melhora no humor, o estímulo à comunicação, o fortalecimento de vínculos afetivos e o incentivo à participação em atividades terapêuticas.

    No dia 11 de julho, quatro deputados franceses apresentaram uma proposta de lei na Assembleia Nacional com o objetivo de regulamentar a prática da mediação animal. A enfermeira francesa lembra que 60% dos lares franceses têm um bicho de estimação, mas ressalta a alta taxa de abandono.

    “Sim, existe um entusiasmo em torno dessas terapias, uma grande demanda, mas a resposta precisa ser estruturada para que o animal esteja bem e traga os benefícios esperados”, orienta.

    A reportagem do programa Priorité Santé, da RFI, acompanhou o trabalho de Snoopy no instituto francês de oncologia. Quando o cachorro chega à sala de espera, é recebido com entusiasmo. Aurore, que vai ao centro a cada quatro meses para exames de controle, lembra da primeira vez que o viu.

    "É relaxante encontrar um animal calmo e gentil"

    “Todo mundo se jogava em cima dele, então fiquei só observando, mas foi um prazer encontrar o Snoopy!”, comenta.

    “Aqui estamos em uma situação particularmente excepcional, e isso muda o estado de espírito, focado no tratamento, na radioterapia e na quimioterapia, que são bem pesados. Por isso, é relaxante encontrar um animal calmo e gentil. Vivemos situações difíceis, e isso transforma o cotidiano no estabelecimento, marcado pela frieza”, completa a paciente.

    “Nós observamos que uma relação se estabelece entre os pacientes em torno de um assunto comum, que é o Snoopy”, observa o enfermeiro Maxime Chéron, um dos responsáveis pela ponte entre o animal e os pacientes.

    Segundo Isabelle Fromantin, Snoopy também ajuda os profissionais que lidam diariamente com casos graves. Ela ressalta que o cão não é um “terapeuta”, mas apenas um auxiliar. Por esse motivo, a atividade que o envolve não pode ser considerada uma prática de mediação animal.

    “É interessante ver como ele foi adotado como um colega de trabalho. Quando passamos com o Snoopy pelo corredor, os profissionais o cumprimentam como se fosse gente e não deixa de ser engraçado ver as pessoas cumprimentarem um cachorro. Afinal, ele continua sendo um cachorro”, conclui.

    Voir plus Voir moins
    5 min
  • Instituto francês aposta em avanços da medicina nuclear para diagnosticar e tratar cânceres
    Jul 8 2025

    As novas técnicas de medicina nuclear garantem mais precisão no diagnóstico e no tratamento, e já beneficiam diversos pacientes no Instituto francês Gustave Roussy, em Villejuif, nos arredores de Paris. O centro, que é uma referência mundial no combate ao câncer, pretende expandir esses procedimentos para vários tipos de tumores malignos, como os da próstata, da mama e do sistema digestivo.

    Taíssa Stivanin, da RFI em Paris

    Durante muito tempo, as técnicas da medicina nuclear foram usadas principalmente para detectar e tratar cânceres da tireoide, mas os avanços tecnológicos ampliaram as possibilidades terapêuticas.

    Nos corredores do Instituto Gustave Roussy, Désirée Deandreis, especialista em medicina nuclear aplicada à oncologia e chefe do setor, não esconde sua empolgação diante da imprensa, convidada para uma visita ao centro. Ela cita casos de pacientes que serão ou já foram tratados pelas novas terapias que utilizam a radioatividade. Para alguns deles, elas representam a última esperança de sobrevida.

    O instituto também comemora a dupla autorização da Agência Regional de Saúde e da Autoridade de Segurança Nuclear e Radioproteção da França para testar as novas opções terapêuticas já na fase 1 de ensaios clínicos com humanos.

    O centro tem o privilégio de aliar pesquisa clínica e aplicada, permitindo que, em determinadas situações, os pacientes se beneficiem com segurança de tratamentos que ainda não passaram por todas as etapas de validação científica.

    No caso da medicina nuclear, isso significa, na prática, que pela primeira vez novos radiofármacos poderão ser administrados no homem. Em janeiro de 2025, uma paciente com câncer de mama pôde, por exemplo, ser tratada com essas substâncias, uma possibilidade até então inédita.

    Os radiofármacos são moléculas marcadas por elementos radioativos que reconhecem receptores, enzimas ou outras proteínas no organismo. Eles atingem as células cancerígenas com uma precisão única, poupando os tecidos saudáveis.

    A detecção precoce e a localização do alvo tumoral são possíveis graças às novas técnicas de imagem que utilizam os chamados traçadores radioativos, que também podem ser usados para destruir o câncer.

    “A ideia é testar novas moléculas para vários tipos de câncer. Por ora, os tratamentos se restringem aos cânceres raros e de próstata. Começamos também a utilizá-los em cânceres de mama e, neste inverno (na Europa), vamos testá-los nos cânceres digestivos. Queremos também detectar doenças que ainda não contam com opções terapêuticas. A meta é desenvolver pesquisas e encontrar moléculas eficazes”, explicou Désirée Deandreis.

    As novas terapias com elementos radioativos também podem ser associadas a outras já existentes, como a quimioterapia ou a imunoterapia. “Não podemos esquecer da toxicidade, que é importante para a qualidade de vida do paciente”, lembra a especialista francesa. “Graças ao teranóstico (terapia e diagnóstico), somos capazes de selecionar o paciente e tratá-lo com a molécula mais adequada ao seu caso.”

    Novos radiofármacos

    A radiofarmácia do centro de medicina nuclear do Instituto Gustave Roussy é coordenada pela radiofarmacêutica Lison Ferréol. Antes de visitar o local, é necessário vestir roupas especiais para evitar qualquer tipo de contaminação radioativa e utilizar um medidor para verificar o nível de radiação.

    Segundo ela, os radiofármacos têm diferentes funções e são usados em diagnósticos e terapias. Podem, por exemplo, aliviar a dor de metástases ósseas, tratar tumores neuroendócrinos, de próstata ou da tireoide. Também são utilizados para mapear o metabolismo da glicose em exames como o TEP (tomografia por emissão de pósitrons), que permite identificar o estágio do câncer.

    “O princípio da medicina nuclear é sempre o mesmo: temos um vetor que não é radioativo e que permite levar a radioatividade até o local desejado, integrando-se a um metabolismo fisiológico ou patológico”, explica.

    “O objetivo, no fim, é visualizar as células cancerígenas nos exames de imagem, para identificá-las, tratá-las e destruí-las, quando utilizamos radionuclídeos que emitem radiações destrutivas.”

    Neste contexto, Désirée Deandreis também destaca a importância da personalização da trajetória do paciente. “Com a ajuda da pesquisa fundamental e aplicada, podemos entender melhor os fatores que influenciam as respostas dos pacientes, como a radioresistência, que é a capacidade de uma célula, tecido ou organismo de resistir aos efeitos da radiação ionizante. A meta é obter mais informações que nos ajudem a escolher os tratamentos com ainda mais precisão”, conclui.

    Voir plus Voir moins
    6 min
  • Como prevenir as dores nas juntas? Especialista francês explica como evitar artrite e outras doenças
    Jun 24 2025

    O corpo humano é formado por centenas de articulações. Esses sistemas complexos são cercados por músculos, tendões e formados por ossos, cartilagens, ligamentos, discos, membranas, líquidos e outros componentes, que permitem a fluidez do movimento. Com o passar do tempo, as juntas sofrem desgaste, aumentando o risco de lesões, dores ou doenças crônicas, explica o especialista francês Francis Berenbaum, coordenador do setor de Reumatologia do hospital Saint-Antoine, em Paris.

    O médico lembra que as dores no corpo podem ter diferentes origens. “Pode ser uma lesão no tendão, que não atingiu a articulação. Neste caso, é uma tendinite, mas a pessoa mesmo assim vai sentir dor. Ou então uma capsulite, que limita a mobilidade da articulação, causa muita dor, sempre tem cura, mas demora para passar”.

    Os sintomas dessas doenças, explica, podem ser parecidos com os da artrite e os da artrose. “A artrose aparece com a idade. Isso não significa que só atinja pessoas idosas: pode começar por volta dos 40 ou 50 anos. A articulação aos poucos é afetada, e há um desaparecimento da cartilagem. O processo envolve todos os tecidos das articulações”, diz.

    Já a artrite, explica, é uma inflamação que pode aparecer até mesmo na infância e se desenvolver de diferentes formas ao longo da vida. Em todos os casos, os pacientes em geral consultam porque estão sentindo dor ou porque sentem perda de mobilidade.

    Regra é manter a mobilidade

    Para diminuir o desconforto e preservar as articulações, o movimento é fundamental. A dica vale também para os idosos. “O problema é que se não fazemos isso, a tendência é nos movimentarmos cada vez menos e termos cada vez menos vontade de nos movimentarmos”.

    Alguns pacientes, ressalta, têm um maior risco de desenvolver artrose. “O sobrepeso e a obesidade são fatores importantes, principalmente em relação à artrose do joelho, que é a parte do corpo mais atingida. Há também o sedentarismo. Quando a gente não se movimenta, as articulações acabam enrijecendo. E quando isso acontece, ficam ainda mais doloridas”.

    O sedentarismo gera, desta forma, um círculo vicioso que leva a uma diminuição dos movimentos e ao aumento da dor. O contrário também acontece. Às vezes o corpo é tão solicitado que as contusões e lesões são frequentes.

    É o caso de Mateo Gouze, bailarino de 18 anos da Ópera de Paris, que integra o corpo de baile desde 2023. Ele voltou para as aulas de balé há duas semanas, mas ainda economiza nos saltos. “Eu me contundi em março, depois de um dia de muito ensaio. Durante um salto eu caí e bati muito forte no pé. O choque gerou um edema e a cartilagem foi atingida. Desde então estou parado e fazendo fisioterapia”, contou à reportagem do programa Priorité Santé, da RFI.

    Os exercícios propostos pelo fisioterapeuta Nicolas Brunet envolvem principalmente o reforço da panturrilha e a estabilidade do tornozelo.

    Exercícios de força muscular

    Em todos os casos, o treinamento que envolve força muscular sem impacto é essencial para proteger as articulações. “Não apenas para os bailarinos. Esta é a chave do tratamento, para que as articulações se estabilizem: fortalecer os músculos que as rodeiam. Tudo isso fará que, quando nossas articulações forem mobilizadas, elas estarão no eixo correto. Por isso é tão importante ter bons músculos e por isso os exercícios físicos são tão importantes”.

    Ele lembra, entretanto, que é necessário ter orientação. Começar a se exercitar de uma hora para outra pode ser perigoso e provocar sérias lesões.

    Voir plus Voir moins
    6 min
  • Cientistas franceses identificam novos tipos de própolis eficazes contra a acne
    Jun 10 2025

    Uma pesquisa recente realizada por uma equipe de cientistas franceses mostrou que dois tipos de própolis colhidos em Ruanda, na África, são eficazes contra acne e podem se transformar em tratamentos para a pele no futuro.

    Taíssa Stivanin, da RFI em Paris

    A doença, que provoca espinhas no rosto e outras partes do corpo, atinge mais de 28% dos jovens entre 16 e 24 anos, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde).

    Os estudos foram coordenados pelo cientista francês Jean-Michel Brunel, do laboratório do Inserm (Instituto de Pesquisas Médicas da França) situado na Universidade de Marselha, no sul da França.

    As conclusões são resultado de uma colaboração com o Observatório francês de Apidologia, que se dedica à pesquisa, proteção e promoção da apicultura e da biodiversidade relacionada às abelhas e reúne diferentes tipos de amostras de própolis, mel e outros produtos.

    A própolis é uma substância elaborada pelas abelhas a partir de resinas secretadas pelas árvores e serve para vedar os espaços da colmeia. Suas propriedades antibacterianas protegem a colônia contra a entrada de parasitas e a proliferação de germes.

    “Atualmente temos acesso a cerca de 200 tipos de amostras de própolis do mundo inteiro. Em nosso laboratório, nós caracterizamos a atividade antimicrobiana da substância e rapidamente percebemos que algumas delas, principalmente aquelas que vinham de Ruanda, eram muito ativas contra o micróbio que causa a acne”.

    A equipe começou a ter acesso às amostras há cerca de dois anos e, desde então, tem se dedicado ao aperfeiçoamento das técnicas para extrair a própolis. “Extraímos as moléculas ativas da própolis e a partir daí pudemos realizar os testes antimicrobianos”, disse o cientista francês.

    A própolis é diferente em função do ecossistema e das árvores utilizadas pelas abelhas para sua fabricação. “É claro que as espécies de árvores presentes na Europa e na África são totalmente diferentes. Em Ruanda, existe uma floresta primária. Isso significa que lá existem espécies de árvores que não são encontradas em outros lugares”.

    Segundo o pesquisador francês, essa diversidade dá uma dimensão da riqueza das moléculas da própolis. “Toda vez que uma colmeia se instala em algum lugar, terá uma própolis com outra composição. São cerca de 150 moléculas que agem de forma diferente contra bactérias, células cancerígenas, ou de outros tipos.”

    Modelos bacterianos

    No laboratório em Marselha, os cientistas testaram as amostras de própolis disponíveis em bactérias, com o intuito de verificar se elas eram ativas. Após essa pré-seleção, a equipe utilizou métodos específicos para detectar quais moléculas faziam parte da composição dos diferentes tipos de própolis.

    “Quando obtivemos a chamada ‘carteira de identidade’ dessas própolis, analisamos as moléculas que já estavam disponíveis comercialmente, ou que já conhecemos, e testamos em nossos modelos bacterianos.”

    Após expor as bactérias patogênicas às própolis de Ruanda, os cientistas descobriram que elas inibiam o crescimento da C. acnes, micróbio responsável pelo desenvolvimento das espinhas da acne. Os pesquisadores também identificaram duas novas moléculas.

    Os cientistas franceses então testaram o efeito dessa substância em forma de creme, em camundongos, que desenvolveram uma pequena espinha após serem inoculados com o micróbio da acne. “Constatamos, como ficou documentado em nossa publicação, um efeito anti-inflamatório e antibacteriano”.

    A descoberta da equipe francesa pode ser uma alternativa à resistência aos tratamentos contra a acne disponíveis no mercado. A eficácia do creme desenvolvido pelos cientistas à base dessa própolis de Ruanda foi validada no laboratório.

    Para que o creme possa chegar às prateleiras, são necessários agora testes clínicos e parcerias com laboratórios farmacêuticos. O pesquisador lembra que as propriedades antibacterianas da própolis também são úteis para tratar cáries ou amigdalites, e outros produtos poderão ser desenvolvidos em forma de pomada ou spray.

    Voir plus Voir moins
    5 min
  • Por que passar o dia todo sentado faz mal à saúde, mesmo para quem pratica exercícios
    May 27 2025
    O sedentarismo relacionado a certas atividades profissionais tornou-se um problema de saúde pública, segundo a endocrinologista e fisiologista francesa Martine Duclos, chefe do setor de Medicina do Esporte do Hospital Universitário de Clermont-Ferrand, no centro da França. O mais preocupante, alerta, é que a prática regular de uma atividade física não elimina os riscos associados ao hábito de passar várias horas sentado por dia. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisA rotina de quem trabalha em um escritório é geralmente sempre a mesma: acordar, tomar café, às vezes levar as crianças para a escola e em seguida ir para a empresa — de bicicleta, metrô, ônibus ou a pé. Mas, independentemente do meio de transporte, para todas essas pessoas é inevitável passar cerca de oito horas diárias sentadas. Algumas têm sorte (e tempo) para se exercitar durante o expediente, mas estudos recentes mostram que isso infelizmente não basta para impedir os efeitos nocivos do sedentarismo que representa passar várias horas na mesma posição, digitando em frente ao computador, alerta a médica francesa.As primeiras vítimas desse mau hábito são as artérias, que sofrem com a diminuição do fluxo sanguíneo. “Quando estamos sentados, os músculos das pernas não se contraem, e o fluxo do sangue diminui. Ele se mantém em certo nível, já que é necessário levar oxigênio aos músculos, mas é reduzido, o que diminui a pressão exercida nas paredes das artérias”, explica a fisiologistaAs paredes arteriais são formadas por células endoteliais, que são estimuladas pela pressão do sangue circulante, levando à produção de um gás chamado monóxido de azoto (óxido nítrico). “O monóxido de azoto tem um efeito muito positivo nas artérias, pois induz a dilatação. Além disso, possui ação anti-inflamatória e inibe a agregação das plaquetas”, explica a endocrinologista francesa. Ficar sentado, mesmo por poucas horas, reduz a produção desse gás benéfico e aumenta a produção de endotelina-1, uma substância vasoconstritora, ou seja, que estreita os vasos sanguíneos. Esse processo favorece o surgimento da hipertensão e da inflamação, afetando diversas funções orgânicas.Sedentarismo afeta concentração, memória e atenção“Quando permanecemos sentados por muito tempo — duas ou três horas, por exemplo — há aumento da pressão arterial, da glicemia após a refeição e dos triglicerídeos, ou seja, da quantidade de lipídios no sangue, e uma redução da oxigenação cerebral. A capacidade de concentração, memória e atenção também diminuem”, alerta a especialista. As consequências para a saúde podem ser graves, considerando que um adulto passa, em média, mais de 12 horas por dia sentado, ao longo de vários anos. Esse sedentarismo, segundo a fisiologista, está diretamente associado ao aumento do risco de obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, certos tipos de câncer, demência e morte prematura. “Infelizmente, essa rotina faz parte do nosso estilo de vida, que é totalmente mecanizado. Saímos de casa, pegamos o carro, estacionamos no trabalho, usamos o elevador, sentamos, ficamos em frente ao computador, pedimos comida, comemos na frente da tela, pegamos o elevador e voltamos para casa. Passamos o resto do dia, geralmente, diante de uma tela. É simples: podemos passar o dia todo sentados.” Como amenizar os efeitos dessa rotina nociva? Com o avanço da idade, as artérias tornam-se mais rígidas, e essas recomendações se tornam ainda mais importantes. Mas o risco do sedentarismo não poupa ninguém, nem mesmo pessoas saudáveis e fisicamente ativas, reitera. “O efeito negativo nas artérias está comprovado, mesmo na ausência de fatores de risco.” Mas é possível agir para diminuir as consequências de ficar muito tempo sentado. Segundo a especialista, estudos mostram que reduzir em 30 minutos o tempo total sentado por dia, praticando uma atividade física moderada, pode diminuir a mortalidade em até 40%. A redução é de 20% mesmo com atividades de baixa intensidade, como se levantar para beber água ou dar uma volta no escritório. Outra recomendação é não permanecer mais de uma hora sentado sem se levantar por alguns minutos. Ela também alerta para soluções ineficazes adotadas por algumas empresas, como trabalhar em pé. “Ficar de pé, sem movimentar as pernas, não serve para nada.” Por outro lado, a fisiologista recomenda o uso da pedaleira de escritório, um equipamento que pode ser colocado sob a mesa e utilizado enquanto se trabalha. O chamado "escritório ativo", com esteiras ou estações de movimento, também é uma boa solução. Martine Duclos lembra que 30 minutos de atividade física leve, duas vezes por semana, já trazem benefícios à saúde cardiometabólica. “O mundo do trabalho precisa agir para enfrentar esse problema, pois é lá que passamos a maior parte do tempo ...
    Voir plus Voir moins
    9 min
  • Em livro, estudante de Medicina francês denuncia racismo e discriminação nos hospitais
    May 13 2025
    O jovem francês Miguel Shema está no 5° ano de Medicina da Faculdade de Iasi, na Romênia. Apesar de passar boa parte do tempo mergulhado nos livros de sua área, ao longo dos anos ele começou a questionar a maneira como os pacientes negros e de outras etnias são atendidos nos hospitais. Taíssa Stivanin, da RFI em ParisEssas são algumas das reflexões que o estudante de Medicina francês relata em seu livro “La Santé est Politique” (A Saúde é Política, em tradução livre), onde denuncia a discriminação de alguns profissionais da saúde. De acordo com ele, esse preconceito se manifesta de maneira inconsciente, ancorado em vieses cognitivos que "enganam” o cérebro na hora de tomar decisões. O livro de Miguel é resultado de observações feitas em estágios nos hospitais franceses. Na obra, ele cita casos reais que escandalizaram a opinião pública, como o da jovem francesa de origem africana Naomi Musenga, 22 anos, que vivia em Estrasburgo, no leste do país. Em 2017, vítima de fortes dores no abdômen, ela morreu por falta de atendimento. Horas antes, Naomi ligou para o Samu, o 192 francês, e foi ignorada pela atendente, que minimizou seu caso e a mandou procurar um médico. “Eu me interessei pelas Ciências Sociais no ensino médio. Tinha necessidade de entender por que eu passava por algumas situações e porque eu era alvo de insultos na escola. Precisava também entender o racismo que eu mesmo vivenciei”, explica.Foi nessa época que Miguel Shema passou a escrever artigos para o site francês Bondy Blog, criado para dar voz aos moradores dos subúrbios franceses. Uma de suas inspirações é o psiquiatra e militante martinicano Frantz Fanon, que em 1952 escreveu um célebre artigo descrevendo a Síndrome Norte-africana, "que questiona o racismo e o desprezo dos médicos pela dor do paciente", explica Miguel. Nesse mesmo período ele teve contato, pela primeira vez, com conceitos até então desconhecidos para ele, como a chamada Síndrome Mediterrânea. “É uma crença, um viés cognitivo, que alguns profissionais da saúde têm. Eles consideram que os magrebinos teriam uma propensão a exagerar a dor”. A pandemia de Covid 19 também influenciou o engajamento do jovem francês. Miguel lembra que, em 2020, quando o vírus começou a se espalhar por toda a França, a população de alguns subúrbios de Paris foi acusada de contribuir para a propagação Sars-CoV-2 - por desrespeitar o lockdown e outras medidas restritivas.“Foi um momento de grande indignação. Ainda temos discursos distantes da realidade epidemiológica, política, social ou médica. Foi a partir daí que criei uma conta nas redes sociais, @sante_politique, e tive a vontade de questionar a relação de dominação existente entre os profissionais da saúde”, acrescenta. "Médicos não têm como medir a dor"Durante seus estágios nos hospitais da capital e da região, Miguel, como observador, não podia intervir nas situações de abusos que testemunhava. Mas anotava tudo que poderia ilustrar o racismo e o preconceito presentes nos estabelecimentos. A questão da dor, e como os profissionais a avaliavam em função do paciente, foi para ele uma das mais marcantes.“Os médicos não têm como medir a dor. Considerar que ela é mais ou menos forte é uma questão puramente social. Acreditamos ou não em nossos pacientes. O que estou tentando dizer é que na Medicina francesa existe ainda a crença de que o olhar do clínico é neutro, mas na verdade ele não é. E a maneira como enxergamos o paciente vai influenciar na forma como avaliamos a dor dele”, observa. Parlez-vous français?O estudante de Medicina também ficou surpreso com a falta de intérpretes para ajudar os pacientes que não falam francês nos hospitais, sendo que os estabelecimentos do país têm esse recurso à disposição. Segundo ele, após a consulta, o laudo é entregue em francês, e o paciente que fala uma língua diferente ou que não domina o idioma, em alguns casos acaba até abandonando o tratamento se não tiver a orientação adequada. “Se queremos cuidar direito das pessoas, se temos a pretensão de ser um sistema de saúde que atende todo mundo, temos que respeitá-las, em qualquer circunstância” diz Miguel. “É essencial se comunicar bem com eles. A comunicação não para no diagnóstico. Precisamos ter certeza de que o paciente entendeu sua patologia, seu tratamento e as complicações que a doença e o tratamento podem acarretar”, afirma. A medicina, reitera o estudante francês, se desenvolveu no período colonial, e alguns desses preconceitos ainda persistem. “É importante que as ciências sociais, a história e a sociologia estejam mais presentes nos cursos de medicina. Negro, em termos médicos, não quer dizer nada”, diz. “Negro tem um significado sociológico. É importante, neste sentido, constatar como essas pessoas são tratadas, e qual é a percepção ...
    Voir plus Voir moins
    7 min
  • Como a poluição do ar em casa afeta a saúde e piora doenças respiratórias
    Mar 12 2025

    Um levantamento feito em 2024 pela associação Santé Respiratoire France, a pedido da empresa francesa Murprotec, uma das maiores do setor, mostrou que a poluição em ambientes fechados é até nove vezes maior do que a atmosférica. A má qualidade do ar dentro de casa também é apontada como a responsável pela morte de 3,2 milhões de pessoas por ano, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde). Mas este é um fato ignorado por cerca de 71% dos franceses.

    Taíssa Stivanin, da RFI em Paris

    De acordo com o pneumologista francês Frédéric Le Guillou, presidente da Associação Santé Respiratoire France, 272 pacientes que sofrem de doenças pulmonares e 38 cuidadores responderam a um questionário sobre a qualidade do ar dentro de casa.

    O objetivo foi determinar o impacto da poluição doméstica nos sintomas dos entrevistados – dois terços deles eram mulheres, participam mais desse tipo de estudo porque geralmente são mais atentas à própria saúde, lembra o pneumologista. Os resultados mostraram que a população tem noção dos riscos que envolvem a poluição em casa, mas, na prática, toma poucas medidas para melhorar a situação.

    Segundo Frédéric Le Guillou, 97% dos entrevistados estão conscientes de que a má qualidade do ar nos ambientes fechados tem um impacto na saúde respiratória e desestabilizam seus sintomas. Os participantes da pesquisa convivem com DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), a asma, alergias, fibroses pulmonares, dilatações e cânceres dos brônquios.

    “Os pacientes se preocupam com a qualidade do ar dentro de casa, principalmente porque todos já têm uma doença respiratória, mas 36% de suas moradias não têm ventilação mecânica controlada, a VMC”, lamenta o pneumologista. O sistema permite uma circulação contínua do ar e evita a umidade, fungos e bolor, prejudiciais para quem tem ou não problemas respiratórios.

    A umidade continua sendo um dos principais fatores de riscos para esses pacientes, diz Édouard David, representante da empresa Murprotec, que encomendou a pesquisa. “É um fato que a umidade é um fator determinante na transmissão das doenças ou no desenvolvimento de uma patologia crônica”, diz.

    Mortes prematuras

    O levantamento ainda mostrou que 43% dos pacientes já foram expostos à umidade dentro de casa. “Existe um trabalho de informação que deve ser feito junto aos pacientes. São pessoas que já convivem com um problema respiratório”, alerta Frédéric Le Guillou.

    Ele lembra que a má qualidade do ar é responsável por cerca de 47 mil mortes prematuras na França e 20 mil novos diagnósticos de doenças respiratórias, dados ignorados por uma grande parte dos franceses. Este número é provavelmente mais elevado, já que os óbitos, frisa, estão relacionados apenas às partículas finas e ao dióxido de azoto.

    “Existem diferentes tipos de poluentes que influenciam na qualidade do ar em ambientes fechados, que podem ser físicos, químicos e biológicos. O tabagismo dentro de casa é uma fonte de poluição, por exemplo, inclusive para aqueles que não fumam", cita.

    Há também os produtos de limpeza, a poeira, os pelos dos animais que podem causar alergias "e a pintura dos móveis que liberam compostos orgânicos voláteis", além dos ácaros. "Sem contar o aquecedor, que é uma das principais fontes de poluição doméstica”, acrescenta o especialista.

    A exposição a essas substâncias também pode desencadear doenças em caso de predisposição. Este é o caso da asma, das alergias e das bronquites. Pode também piorar patologias pré-existentes, que estavam controladas.

    Alguns hábitos também ajudam a melhorar a qualidade do ar, como abrir as janelas pelo menos dez minutos por dia e evitar colocar roupas para secar dentro de casa, por exemplo. “Quando temos uma doença respiratória, temos ‘brechas’ nas mucosas e todos os poluentes penetram mais facilmente. Tudo isso deve ser levado em conta, além da predisposição genética às alergias”, conclui o especialista francês.

    Voir plus Voir moins
    8 min